segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

A seleção faz a pior campanha em Copas


A Copa de 1934, disputada na Itália, é um dos primeiros exemplos na história da mistura entre política e futebol. Benito Mussolini, o Duce, queria que o país organizasse o mundial. Conseguiu! E queria, ou melhor, exigia que a seleção da casa fosse campeã. Conseguiu também! Ele mandava bilhetes aos jogadores com ameaças: "vencer ou morrer". Os atletas faziam a saudação fascista na direção das tribunas de honra dos estádios. Lá estava Mussolini. O ditador escolheu o general Giorgio Vaccaro para tocar o projeto da Copa na Itália. O jornalista Vitório Pozzo foi indicado para treinar a "squadra azzurra". A Fifa confirmou em 1932 que a Itália seria a sede do segundo mundial da história.





A Copa de 34 foi transmitida ao vivo pelo rádio para 12 países. Já no Brasil, assim como em 30, para saber informações sobre os jogos era preciso recorrer aos jornais ou ouvir os boletins das emissoras de rádios. A transmissão ao vivo só seria possível em 1938.


O Uruguai, sede em 1930decidiu não participar da Copa. Além de enfrentar uma crise interna no futebol, o país resolveu fazer um protesto contra os europeus pela falta de apoio da maioria do continente no mundial de quatro anos antes. A Copa teria 16 vagas e a Fifa conseguiu 32 inscritos! Alguns países desistiram no meio do caminho, como o Peru, o que abriu espaço para classificação automática da seleção brasileira. A Argentina, vice campeã, em 1930, esteve no mundial, mas sem a força máxima. O país perdeu os principais jogadores justamente para a Itália: Monti, Guaiata, Orsi e De Maria eram os chamados "oriundi". O brasileiro Anfilóquio Guarisi Marques, o "Filó", também estava relacionado pela Itália. Destaque no Corinthians e no Paulistano, ele entrou para a história como o primeiro brasileiro campeão mundial de futebol, apesar de não ter sido escalado em nenhuma partida da Copa. Só lembrando que a Fifa não proibia que atletas atuassem por seleções de outros países. 


Fórmula de disputa


Os mundiais de 34 e de 38 são os únicos até hoje em que as seleções não foram divididas em grupos na primeira fase. Eram jogos eliminatórios diretos. Se a Copa de 30 teve predomínio dos sul-americanos, a competição de quatro anos depois foi basicamente europeia. O velho continente contava com 12 seleções: Itália, Alemanha, Bélgica, Suécia, Holanda, Suíça, Tchecoslováquia, Romênia, Áustria, França, Hungria e Espanha. Brasil, Argentina, Estados Unidos e Egito completavam as equipes. Foram oito sedes: Roma, Bolonha, Florença, Gênova, Milão, Turim, Nápoles e Trieste. 

Aqui o guia de programação da fase inicial da Copa do Mundo de 1934: 




A participação brasileira


Em 1930, paulistas e cariocas estavam em guerra (CBD versus APEA). Em 1934, mais uma vez os conflitos internos prejudicaram a participação brasileira. O profissionalismo tinha chegado ao Brasil em 33. Os clubes favoráveis ao esporte profissional davam apoio à FBF, Federação Brasileira de Futebol. O problema é que a CBD, filiada à Fifa e responsável por levar a seleção ao mundial, ainda era adepta do amadorismo. Apenas o Botafogo estava ao lado da entidade carioca. O clube foi então a base da seleção, treinada por Luis Vinhaes. Interessante que a CBD, apesar de contrária ao profissionalismo, oferecia muito dinheiro para que jogadores de São Paulo fossem para a Copa. Para evitar o assédio, os times chegaram a esconder atletas em sítios e fazendas do interior do estado.  Somente quatro paulistas vestiram a camisa da seleção em 1934: Valdemar de Brito, Sílvio Hoffman, Armandinho e Luizinho. O grande nome do Brasil era, sem dúvida, Leônidas da Silva, um dos maiores jogadores antes da "Era Pelé". Leônidas foi o artilheiro da Copa seguinte, em 38, com 7 gols. Já o zagueiro Domingos da Guia foi uma das ausências de 34. Ele ainda pertencia ao Nacional de Montevidéu que não o liberou para a Copa (no mesmo ano, Domingos iria para o Vasco). A seleção demorou onze dias para chegar à Itália. A equipe viajou a bordo do navio Conte Biancamano. 

Dia dia da Copa

Os oito jogos eliminatórios foram disputados em 27 de maio de 1934. A seleção brasileira iria enfrentar a Espanha ou os "hespanhóes" como destacava aqui a Folha da Manhã:



O goleiro da seleção era Roberto Gomes Pedrosa que anos depois ganhou destaque como dirigente esportivo. A escalação para o duelo contra os espanhóis, em Gênova, foi a seguinte: Pedrosa, Sylvio Hoffmann e Luiz Luz; Tinoco, Martim e Canalli; Luizinho, Waldemar de Brito, Armandinho, Leônidas da Silva e Patesko. Essa nota destacava o nome do chefe da delegação brasileira, Lourival Fontes. Depois da Copa, a seleção ainda faria uma turnê pela Europa. Assim como em 1930, a torcida brasileira só ficaria sabendo do resultado das partidas pelos jornais ou pelos boletins informativos das rádios. Transmissão ao vivo só em 38. 



O destaque da Espanha era o goleiro Zamora que defendeu um pênalti de Waldemar de Brito. Iraragorri abriu o placar aos 18 minutos em uma cobrança de pênalti. Ele fez também o segundo, aos 25 minutos. Langara fechou o placar aos 29 minutos do primeiro tempo. Na etapa final, Leônidas da Silva marcou aos 10 minutos. WaldemUm lance, no entanto, chamou atenção. O zagueiro Jacinto Quincoces salvou, com o braço, uma bola chutada por Leônidas e que cruzaria a linha do gol. O árbitro Alfred Bilen, da Alemanha, não deu pênalti. A seleção perdeu por 3 a 1 e estava fora da Copa. 



A reportagem acima fala em fracasso dos zagueiros brasileiros. 

Abaixo uma descrição sobre o jogo e a referência de que a seleção brasileira entrou em campo com uniforme branco. A camisa amarela só passaria a ser usada em 1954.



A nota seguinte lembra que, além do lance da bola salva pelo zagueiro espanhol, a seleção teve um gol anulado:



Abaixo, a reportagem publicada pelo Estadão


O time nacional amargou a décima primeira colocação, a pior do país em mundiais. Depois da eliminação, a equipe brasileira disputou amistosos na Europa (veremos os jogos mais abaixo):


Com a presença de Mussolini nas tribunas, a Itália estreou na Copa com uma goleada sobre os Estados Unidos por 7 a 1. O jogo foi disputado em Roma.


A Áustria eliminou a França, 3 a 2. Os austríacos tinham um excelente time, apelidado de "Wunderteam" (o time maravilha). Um dos destaques era o atacante Matthias Sindelar, chamado de "homem de papel". 

A Alemanha goleou a Bélgica, 5 a 2. A Tchecoslováquia, que tinha como destaque o goleiro Planicka, passou pela Romênia: 2 a 1. A Suíça ganhou da Holanda por 3 a 2. O placar foi o mesmo da vitória da Suécia sobre a Argentina. A Hungria venceu o Egito por 4 a 2, depois de um primeiro tempo equilibrado, com empate por 2 a 2. Somente seleções europeias estavam classificadas para as quartas: Áustria, Hungria, Tchecoslováquia, Suíça, Alemanha, Suécia, Itália e Espanha.


O duelo mais dramático da Copa de 1934 foi entre Itália e Espanha. De acordo com o regulamento, em caso de empate era disputada uma prorrogação. Se o placar igual persistisse, seria feita uma partida desempate. As duas seleções entraram em campo em Florença e fizeram uma batalha histórica. Regueiro abriu o placar para a Espanha. O empate dos italianos veio apenas no segundo tempo com Ferrari. Os goleiros Combi, da Itália, e Zamora, da Espanha, fizeram defesas espetaculares. O jogo foi para a prorrogação, mas o placar não mudou. Uma partida desempate foi disputada 24 horas depois. A Espanha entrou desfalcada de 7 jogadores e a Itália sem 5 titulares. Os italianos venceram por 1 a 0 com gol de Meazza, jogador que hoje dá nome ao estádio de San Ciro, em Milão. Depois de muita luta, a squadra azzurra estava na semifinal. 

Os jornais traziam a informação de que os espanhóis reclamaram da violência dos adversários: 



Nos outros jogos das quartas-de-final, a Áustria venceu a Hungria, por 2 a 1. A Tchecoslováquia eliminou a Suíça, 3 a 2. A Alemanha ganhou da Suécia, 2 a 1. 

A cobertura dos jornais brasileiros era, claro, limitada. Não existem referências na Folha da Manhã sobre as demais partidas das quartas.

O dia 3 de junho foi de muita chuva em Roma. Os italianos estavam estafados, depois da maratona de futebol contra a Espanha. Mas, no duelo contra a Áustria, os donos da casa levaram a melhor e venceram por 1 a 0. Mais um gol de Giuseppe Meazza. A Tchecoslováquia derrotou a Alemanha por 3 a 1 e seria a adversária dos italianos na decisão.

Pesquisando os jornais, aqui uma nota que cita a derrota da seleção brasileira para a Iugoslávia por 8 a 4, em um amistoso, depois da eliminação na Copa.




Após o amistoso contra a Iugoslávia, a seleção fez mais sete partidas na Europa, antes do retorno ao Brasil: 

- Brasil 0x0 Gradanski (Iugoslávia)
- Brasil 1 x 2 seleção da Catalunha (Espanha)
- Brasil 2x2 seleção da Catalunha (Espanha)
- Brasil 4 x 4 Barcelona (Espanha)
- Brasil 4 x 2 Combinado Benfica-Belenenses (Lisboa)
- Brasil 6 x 1 Sporting (Portugal)
- Brasil 0 x 0 Porto (Portugal)











Uma outra nota da imprensa destacava a ida de Waldemar de Brito para o futebol Argentino. Vale lembrar que nos anos 50 foi ele que levou Pelé para o Santos.




De volta ao mundial, no dia 7 de junho de 34, em Nápoles, a Alemanha garantiu a terceira colocação ao vencer a Áustria por 3 a 2.


O dia da final da Copa se aproximava:



Mussolini e todo o ministério estavam presente nas tribunas no dia 10 de junho de 1934, em Roma. A torcida ovacionava o Duce. O fascismo ganhava força. O jogo, como toda final de Copa do Mundo, foi muito nervoso. O estádio ficou em silêncio quando a Tchecoslováquia abriu o placar com Puc, aos 25 minutos do primeiro tempo. Aos 40 minutos, Orsi empatou para o delírio dos torcedores. No segundo tempo ninguém marcou e a partida foi para a prorrogação. Logo aos cinco minutos, Schiavo desempatou: 2 a 1. O placar não mudaria mais. 


A Itália, merecidamente, conquistou a Copa do Mundo, apesar de todas as pressões de Mussolini e do clima político. O goleiro Combi recebeu a taça. O jornalista Orlando Duarte, autor de "Todas as Copas do Mundo" lembra que cada jogador italiano recebeu um troféu de bronze com a efígie de Benito Mussolini. 

Abaixo, a reportagem do Estadão:



O presidente da Fifa, Jules Rimet, considerou o resultado da organização da Copa extremamente positivo:


O jogador tcheco Nejedly foi o artilheiro da Copa com 5 gols.



TABELA COPA 1934

OITAVAS DE FINAL

27/05/1934 Roma: Itália 7 x 1 EUA
27/05/1934 Turim: Áustria 3 x 2 França
27/05/1934 Florença: Alemanha 5 x 2 Bélgica
27/05/1934 Trieste: Tchecoslováquia 2 x 1 Romênia
27/05/1934 Milão: Suíça 3 x 2 Holanda
27/05/1934 Bolonha: Suécia 3 x 2 Argentina
27/05/1934 Gênova: Espanha 3 x 1 Brasil
27/05/1934 Nápoles: Hungria 4 x 2 Egito

QUARTAS DE FINAL

31/05/1934 Bolonha: Áustria 2 x 1 Hungria
31/05/1934 Turim: Tchecoslováquia 3 x 2 Suíça
31/05/1934 Milão: Alemanha 2 x 1 Suécia
31/05/1934 Florença: Itália 1 x 1 Espanha
1º/06/1934 Florença: Itália 1 x 0 Espanha (jogo desempate)

SEMIFINAIS

03/06/1934 Roma: Tchecoslováquia 3 x 1 Alemanha
03/06/1934 Milão: Itália 1 x 0 Áustria

TERCEIRO LUGAR

07/06/1934 Nápoles: Alemanha 3 x 2 Áustria

FINAL

10/06/1934 Roma: Itália 2 x 1 Tchecoslováquia




Fontes consultadas: 



- Acervo dos jornais Folha da Manhã e O Estado de S.Paulo (1934);

- Livros: O Jogo Bruto das Copas do Mundo (Teixeira Heizer) e Todas as Copas do Mundo (Orlando Duarte).


O AUTOR





Thiago Uberreich é formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1999). Começou a carreira, em 1996, na Rádio Eldorado de São Paulo (atual Estadão).  Passou pelas funções de redação, edição, reportagem e apresentação.

Em 2005, recebeu convite para integrar a equipe de reportagem da Jovem Pan. Participou de inúmeras coberturas e atuou como setorista no Palácio dos Bandeirantes. Desde março de 2016, apresenta o Jornal da Manhã (6hs às 10hs).

Apaixonado por futebol e história das Copas do Mundo, gosta de elaborar séries especiais.

Em 2010, venceu o prêmio Embratel, categoria Reportagem Esportiva, com a série Histórias das Copas, veiculada nos meses que antecederam o mundial na África do Sul.  Em 2011, levou ao ar a série "Vozes do Tri", sobre a conquista da Copa de 70. Em 2012, fez a série "50 anos do bi". Em 2015, produziu "A Copa que nunca acabou", sobre o mundial de 1950. Em 2016, conseguiu reunir os áudios na íntegra dos seis jogos da seleção brasileira em 50. Possui um dos maiores acervos pessoais de vídeos de futebol do país. São 4 mil horas de gravação (2 mil DVDs).


Críticas, sugestões ou correções: tuberreich@gmail.com